Abaixo, três versões de uma mesma história, com a mesma temática, partindo de um conto maior, mais ambientado. Em seguida um conto menor, mais enxuto, até chegar a um mini-conto. Mais uma atividade desenvolvida da oficina de criação literária. Ótimo exercício.
(DES)ESPERANÇA
(1a. versão)
D. Elvira ajeitava as brasas e já pensava no sacrifício que
ia ser conseguir mais lenha. Já não aguentava procurar e cortar a madeira e o
neto ainda era magricela demais pra dar conta do serviço pesado. Com o vizinho
mais próximo ela não queria conversa e toda vez que precisava de mais lenha
tinha que torcer pra aparecer algum desavisado. Mas já fazia tempo que não
apeava nenhuma criatura por aquelas bandas.
– Eliaaaasss, vem armuçá, minino – berrou a velhinha suada
de mexer o angu no forno à lenha.
Há muito essa era a
única comida que podia dar ao neto. A pensão do marido e a fraqueza do corpo não
permitiam variar. A situação piorou ainda mais quando seu único filho tombou morto
por causa do coração fraco. – Tão fraco que num servia nem pra escolhê muié –
dizia sempre. A nora, nem bem enterrou o marido, fugiu com o vizinho de cerca e
largou a cria pra ela cuidar e dar de comer. – Discarada – pensou. E por isso
relutava em pedir ajuda na vizinhança, pois sempre a atendiam com olhar de
troça.
– To indo agorinha – respondeu
o menino que se demorava olhando o céu.
Desde
cedinho brincava à sombra da enorme paineira e, vez ou outra, fitava o céu e
matutava, com ares de querer saber. Quando finalmente apontou na cozinha de
cimento cru vermelho, a avó já estava armando outro berro.
– Senta
e come, minino tinhoso.
– Angu
de novo, voinha? – falava por falar, só para provocar a pobrezinha. Como se
fosse um arriscado acordo que houvesse firmado.
Sem
responder, D. Elvira suspirou fundo e deu um safanão na cabeça do moleque, que não
esboçou reclamação ou choro, pois não tinha um dia sequer que não levava tapa,
beliscão ou coisa parecida. Nem sentia mais, acostumou-se com o carinho rude da
avó. Fazia parte do acordo.
– Voinha,
as nuvem é feita do quê? A senhora já pegou nelas...?
– Pare
de marmota - Interrompeu antes que ele conseguisse enfiar vinte perguntas de
uma só vez – Perguntadeiro como meu fio João
– lembrou, saudosa. A cada vez que se lembrava do filho, o ventre latejava
insistente. Dor que só as mães conhecem. E como o filho também se parecia com o
marido, a pontada no peito também aparecia. Pontada que só quem perdeu um companheiro
valoroso era capaz de sentir.
Pensativo, enquanto engolia cada colherada da insonsa comida,
Elias maquinava sobre a dúvida que lhe perseguia desde o começo daquela manhã. Se tivesse
a mãe ou pai por perto, eles sabia responder – lamentou em pensamento.
Elias ainda não entendia direito o porquê dos pais terem sumido. Toda vez que
perguntava, a avozinha ralhava com ele. Também fazia parte do acordo.
–
Deve de sê de paina. As paina deve sair avuano e
na hora que chega no céu elas vira nuvem.
Outro tabefe.
Mas a dúvida não arrefeceu. Atiçava e provocava comichão.
Ia e vinha nas milhares de possibilidades. Pelo menos esquecia do angu
empelotado. Matutou, ponderou e, prestes a terminar a gororoba, finalmente
achou a resposta.
– Já
sei, é de argodão doce – disse satisfeito e orgulhoso.
– Cale a boca e come esse angu, disgraça – disse
a velha, sentindo o peito apertado de saudade, dor e amargura.
– Ta
bão. Mas que é, é. No dia que eu consegui pegá a nuvem, vamo come ela tudinho,
voinha.
Sorriu
discretamente ao ver a teimosia de seu marido e de seu filho estampada em cores
vivas em seu neto. Mas, ato contínuo, lascou um beliscão.
De um pulo,
Elias correu segurando o braço doído. Rindo e pulando, voltou à sombra da
paineira para tentar sentir o doce das nuvens acima dele. Mas elas iam alto
demais. Agora precisava encontrar um jeito de trazer elas para perto, ou quem
sabe, alcança-las lá no alto.
**********
(DES)ESPERANÇA
(2a. versão)
– - Eliaaaasss, vem armuçá, minino – berrou a
velhinha suada de mexer o angu no forno à lenha.
– - To indo agorinha – respondeu o menino que se demorava olhando o
céu.
Quando finalmente apontou na cozinha de cimento cru
vermelho, a avó já estava armando outro berro.
– - Senta e come, minino tinhoso.
– - Angu de novo, voinha?
Sem responder, deu um safanão na cabeça do moleque.
– - Voinha, as nuvem é feita do quê? A senhora já
pegou nelas?
– - Pare de marmota.
Pensativo, enquanto engolia cada colherada da insonsa comida,
Elias maquinava sobre a dúvida que lhe perseguia desde o começo daquela manhã.
– - Deve de sê de paina.
Outro
tabefe.
Mas a dúvida não arrefeceu. Atiçava e provocava comichão.
Ia e vinha nas milhares de possibilidades. Pelo menos esquecia do angu empelotado.
Matutou, ponderou e prestes a terminar a gororoba, finalmente achou a resposta.
– - Já sei, é de argodão doce – disse satisfeito.
– - Cale a boca e come esse angu, disgraça.
****************
(DES)ESPERANÇA
(3a. versão - Mini Conto)
Engolindo a última porção do angu, sonhava com o
algodão doce das nuvens.